segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Élcio Braga o repórter apaixonado por biografias


Nascido em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, há 43 anos, o jornalista Élcio Braga, do Dia, é considerado um dos mais experientes repórteres da cobertura policial do Rio. Sua estréia, após se formar em 1987, foi no Jornal de Hoje, de sua cidade, mas o interesse pela profissão vem da infância, quando criava emissoras fictícias de TV e imaginava os programas que ia exibir.

Para ele, a reportagem de Polícia é simples, mas se tornou muito perigosa — “mesmo assim, acho bom começar na carreira pela editoria de Cidade”, comenta. Ao falar de violência, o repórter destaca a pressão psicológica que estressa a população e não poupa críticas às autoridades, devido à falta de políticas públicas que protejam efetivamente a sociedade da criminalidade.

Diz também que, com alguns pequenos ajustes, a imprensa cumpre um papel importante no processo de denúncia e esclarecimento dos atos violentos, melhorando ainda mais sua participação — “é preciso haver espaço também para se falar da realidade do agressor”, afirma Élcio, que também fala sobre sua prisão pela Polícia Federal, em 1999.


ABI Online — Sua opção pelo jornalismo foi vocação ou acaso?
Élcio Braga — Desde os 10 anos fazia grade de programação de TV. Criava emissoras fictícias e ficava imaginando que programas ia exibir. Também fazia à mão pequenos jornais e os distribuía na sala de aula. Isso tudo apesar de ser extremamente tímido.

ABI Online — Foi fácil ingressar na carreira?
Élcio — É mais simples começar como estagiário. Com dedicação, você acaba conquistando a confiança do editor e é contratado. A outra opção é mais dolorosa. Depois de formado, não se consegue mais entrar pela porta da frente nos grandes veículos. Parodiando um ditado muito usado por Brizola, a gente precisa comer o mingau pelas beiradas. A solução é buscar vagas em jornais de bairros ou do interior. Foi assim que aconteceu comigo. Comecei no Jornal de Hoje, de Nova Iguaçu. A remuneração não chegava a dois salários mínimos, mas aprendi muito.

ABI Online — E depois?
Élcio — Após uma rápida passagem pela assessoria de um político da Baixada, comecei a cobrir a madrugada no Dia, em 1991. Em seguida, fui para a editoria da minha região, que produzia material diário para a edição metropolitana e tinha um caderno dominical. Hoje estou na Cidade, onde faço muitas matérias de fundo social. Mas confesso que me interesso mais por comportamento e biografias.

ABI Online — Pertencer à nova geração de repórteres não o impede de se destacar entre os colegas mais maduros, com muitas matérias nas finais de importantes prêmios de jornalismo. A que você credita isso?
Élcio — O repórter de impresso tem um desafio muito maior do que os colegas de outros meios. Se você mostra uma imagem em movimento e joga um áudio, já cria um clima para despertar a atenção. No texto, que nem sempre é acompanhado sequer por foto ou ilustração, o que nos resta é o modo de repassar a informação. Sempre gostei de abrir as matérias de um modo diferente, mas, com a permanente redução de espaço nos jornais, temos cada vez menos chance de usar a criatividade no lead e no resto do texto.

ABI Online — Houve alguma reportagem mais marcante?

À frente da caminhada dos sem-terra


Élcio — Gostei muito de uma em que acompanhei a primeira caminhada dos sem-terra a Brasília. Foram mais de dez dias ouvindo histórias comuns. Escrevi aportagem sob a ótica de um gorducho, o Pedrão, um dos cariocas do grupo. Preferi não entrar na questão política da causa, mas mostrar como eles viviam e o que era participar daquele movimento. O Pedrão era lerdo e sempre chegava atrasado. Ficava no fim da fila para comer e, por isso, nunca recebia carne. Foi também um dos únicos que não “pegou” uma baiana que saía com todo mundo na caminhada. Fiz também uma matéria sobre tortura nos morros cariocas, bem antes do caso Tim Lopes. Os traficantes contavam, rindo, tudo o que faziam com suas vítimas. No final, me convidaram para presenciar o que iam fazer com um inimigo.

ABI Online — O relatório "Mídia e violência — Como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil", da Universidade Cândido Mendes, diz que os textos da Repol (reportagem de Polícia) ainda são “superficiais e descontextualizados". Há exagero nessa afirmação?
Élcio — Para deixar de ser superficial, é necessário mais e mais espaço. O mundo está corrido demais. Nem sempre podemos nos aprofundar nos assuntos. Eventualmente, os jornais fazem uma abordagem mais detalhada nas edições de domingo. No dia-a-dia, realmente as reportagens são mais, digamos, inocentes ou reféns do tempo, aceitam as versões oficiais.

ABI Online — Alberto Dines, Diretor do "Observatório da Imprensa" diz que se vê “uma ostensiva diminuição e burocratização da cobertura policial" num momento de crescimento da violência. Como analisa essa crítica?
Élcio — É verdade, a violência cresceu muito, o que deveria estimular os jornalistas a investir na apuração mais detalhada. O repórter precisa ser cada vez mais extraordinário. Quando comecei, em 89, chacinas com três ou quatro mortos davam manchetes. Hoje, muitas vezes nem os jornais populares noticiam tais crimes. O caso João Hélio deixou todos estupefatos; a gente tinha perdido a capacidade de se horrorizar. E a banalização foi jogando muitas matérias para as colunas de notas curtas.

ABI Online — É preciso passar pela Geral, principalmente pela Repol, para se tornar um bom repórter?
Élcio — Jornalismo é uma profissão em que as regras estão cheias de exceções. Mas é muito proveitoso para o estagiário ganhar experiência nas matérias de Polícia, em que se aprende o básico da reportagem, como identificar rapidamente o lead, pois os fatos não são tão complexos. Imagina começar numa editoria como a de Economia, com todos aqueles detalhes sobre taxas de juros e informações de bastidores? É claro que hoje a Geral, sobretudo a Repol, assusta. Há realmente riscos e os profissionais se expõem — ainda que, na maioria das vezes, desnecessariamente. Já cheguei em muitos lugares sob aplausos da multidão. Entrava em favela sem problemas, sentia-me seguro por ser repórter. E não faz tanto tempo, no início dos anos 90 ainda era assim. Agora, tudo mudou.

ABI Online — Qual foi o impacto dessa mudança?
Élcio — Um amigo fotógrafo estava numa van que foi seqüestrada por bandidos, em Itaguaí. Sabe qual foi a primeira coisa que ele fez? Pegou o crachá e, com muito cuidado, escondeu-o debaixo do banco, para não ser reconhecido como jornalista. Eu e vários colegas já passamos por situações de perigo, nem sempre em matérias de denúncias. Uma vez, por exemplo, fui ao morro da Cachoeirinha (Zona Norte do Rio) para entrevistar um casal que estava junto há 50 anos e ia se casar num programa da Prefeitura. Os traficantes não esconderam a contrariedade com a minha presença e eu fui embora apressadamente.

Durante a visita do Papa

ABI Online — E como é lidar com esse tipo de situação?
Élcio — O que mais me impressiona é o rosto aterrorizado de parentes das vítimas; é difícil conviver com esse tipo de coisa. Há casos também em que temos de abrir mão da reportagem para não pôr outras pessoas em risco, entre outros motivos. Passei por momentos de tensão, mas não estive de cara para a morte. Sou cuidadoso. Penso muito em como seria a vida da minha filha e de outros parentes caso ocorresse algo comigo. É o que me dá mais medo.

ABI Online — Qual é a verdade das atuais reportagens policiais?
Élcio — A de uma sociedade que está assustada e paranóica com tanta violência. O “ninguém sabe, ninguém viu” impera. Até em off tem gente com medo de dar entrevista. Esse negócio de parar em sinal e ficar olhando para os lados mostra como estamos alucinados. Percebo isso, mais claramente quando vou fazer matérias fora do Rio e me dou conta de que não preciso ficar tão alerta. É um alívio e tanto.

ABI Online — Há quem diga que o volume de noticiário criminal aumenta o medo.
Élcio — Se isso ocorre, é positivo, porque é para ficar amedrontado mesmo. Acho até que a situação é mais grave do que os jornais retratam. Os números da violência são subestimados. Todos sabem disso. Muita gente não registra assaltos, muita coisa que chega às redações não pode ser investigada por dificuldades de acesso...

ABI Online — A cobrança da imprensa sobre políticas de segurança pública tem dado resultado?
Élcio — Sim. Ela pode gerar mais mobilização policial quando passa a relatar determinada modalidade de crime, por exemplo. O problema é quando a cobrança é generalizada: aí, sobra espaço para o discurso político e começa-se a pôr a culpa em outras gestões, a dizer que o problema é social etc.

ABI Online — Qual deve ser o comportamento da mídia?
Élcio — Exercer esse papel de fiscalização. Quando a imprensa não acompanha avidamente um caso, ele está condenado ao esquecimento e arquivamento.

ABI Online — As reivindicações da sociedade dividem-se entre as da elite e as das populações marginalizadas. O noticiário reflete essa divisão?
Élcio — Às vezes os meios de comunicação são elitistas e acabam defendendo o interesse da classe média, condenando as populações carentes. Houve uma época, por exemplo, em que os jornais questionavam as excursões de pessoas humildes para praias da Região dos Lagos, chamando-os de farofeiros. Alguns prefeitos chegaram a proibir a entrada dos ônibus desses excursionistas em seus municípios.

ABI Online — Esse comportamento não é preconceituoso?
Élcio — É claro que a mídia, como resultado da sociedade, tem conceitos e crenças difíceis de derrubar. Anos atrás, vi muitos colegas se negarem a fazer matéria com homossexuais. Quem sugeria pauta sobre o assunto virava alvo de piadas. E, quando algum ativista gay telefonava, o repórter que atendia passava a ligação para outro ramal, e isso ia se sucedendo em toda a redação. Quebrar o preconceito na imprensa é como derrubar a primeira peça numa fila de dominó.

Visita ao Haiti

ABI Online — Caco Barcelos, da TV Globo, diz que o profissional da Repol não lida com polícia e sim com injustiças sociais. Ele tem razão?
Élcio — Um caso recente chamou minha atenção. Na acareação dos acusados de matar o menino João Hélio, um colega levou um pontapé de um cinegrafista de TV por ter ficado perto de um dos bandidos no dia da prisão. Outros tentaram agredir os suspeitos. Um policial, surpreso, repreendeu os jornalistas.

ABI Online — É complicado apurar matérias em órgãos públicos?
Élcio — Nas delegacias, por exemplo, dependemos da boa vontade dos policiais. Alguns, com medo de punição, não passam nada. Mas isso não acontece só com a polícia. Uma vez solicitei o currículo escolar de um religioso envolvido em um baita escândalo. A Secretaria Municipal de Educação recusou, disse que era invasão de privacidade e por aí vai. Aleguei que, pela Constituição, eu tinha direito à informação, que era de interesse público. Recomendaram-me então um caminho cheio de burocracia, que levaria meses para dar algum resultado.

ABI Online — Cresce no País, principalmente no interior, o número de casos de agressão a jornalistas que denunciam corrupção. Como você vê a situação?
Élcio — Repórter não é assessor de imprensa. Em geral, não se compra jornal para se ler elogios sobre ninguém. Obviamente, as reportagens desagradam mais do que agradam. Há muitas ameaças. Muitas ficam só na esfera jurídica, o que é legítimo. O que precisamos é que elas sejam denunciadas com muito barulho, cobrando ações das autoridades, e não ter medo, divulgando mais e mais crimes. Quanto mais forte a imprensa parecer, menos ameaças teremos. Os veículos devem estar unidos nessa luta.

ABI Online — Em 99, você foi preso pela PF. Por quê?
Élcio — Parentes do porteiro do Galpão de Curas do médium Rubens Faria, o Dr. Fritz, denunciaram que policiais federais o haviam prendido com um flagrante forjado de posse de arma. À época, o médium estava envolvido em uma série de denúncias e alegava que era tudo armação da ex-mulher. Enfim, nesse rolo todo, prenderam o porteiro e fui à PF, na Praça Mauá, conversar com ele. Dei o meu nome e entrei. Nem estava gravando entrevista na cela, quando um policial me achou parecido com algum bandido e pediu meus documentos. Ficaram revoltados ao descobrir que eu era repórter e inventaram que eu os desacatara. Aí, pensei: será que o porteiro estava realmente armado? Quando estava sendo autuado, um policial disse em tom debochado: "Quero ver se ele tem coragem de pôr isso no jornal." No dia seguinte, saiu a matéria sobre minha prisão. Escrevi um artigo com o título: "Entrar na Polícia Federal foi mais fácil do que roubar doce de criança."

ABI Online — Como O Dia reagiu à sua prisão?
Élcio — Mandou advogados imediatamente e, como eu disse, noticiou a prisão com destaque. Fui embora com R$ 50 de fiança, que o jornal pagou. Na verdade, a irritação maior dos agentes era contra outro jornalista, que havia escrito uma série de matérias denunciando corrupção na instituição naquele período. Hoje a PF tem outra imagem na mídia.

Sônia Mele/SJSP

Diretora do SJSP entrega menção honrosa a Élcio


ABI Online — Já passou pela sua cabeça mudar de profissão?
Élcio — Já. Um dia, no início da carreira, procurei um gerente da Souza Cruz para ser vendedor de cigarro e ouvi dele o seguinte: "Como faxineiro na minha mpresa, você vai ganhar mais do que como repórter." Um colega que me acompanhava, no entanto, me garantiu que eu ia morrer velhinho, fazendo o que realmente gostava: ser jornalista. Resolvi continuar na profissão. Gostei dessa história do velhinho. Mas penso em, daqui a um tempo, me dedicar a documentários e biografias, sobretudo voltados para a internet. O vídeo na web vai crescer ainda mais nos próximos anos. O campo é vasto.

ABI Online — E enquanto esse momento não chega?
Élcio — Tenho filmado bastidores de algumas coberturas. Há cenas inusitadas de repórteres em ação, que geraram o envio de outras por muitos colegas. Um dos registros que fez mais sucesso foi o do fotógrafo Carlos Moraes gritando descontroladamente em Irecê, na Bahia, ao descobrir pererecas no seu quarto. Gravei o áudio do desespero e distribuí com outros vídeos no fim do ano.

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